Se você está entre os milhões de pessoas que baixaram o DeepSeek, novo chatbot gratuito da China movido por inteligência artificial (IA), saiba disso: as respostas que ele fornece refletem amplamente a visão de mundo do Partido Comunista Chinês, segundo análise.

Desde que a ferramenta fez sua estreia este mês, abalando os mercados de ações e gigantes tecnológicos estabelecidos, como a Nvidia, pesquisadores que testam suas capacidades descobriram que as respostas que ele fornece não apenas espalham propaganda chinesa, mas, também, repetem campanhas de desinformação que a China tem usado para minar seus críticos ao redor do mundo.

Em um caso, o chatbot distorceu declarações do ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter, que autoridades chinesas editaram, seletivamente, para fazer parecer que ele havia apoiado a posição da China de que Taiwan fazia parte da República Popular da China.

Segundo o The New York Times, o exemplo foi um dos vários documentados por pesquisadores da NewsGuard, empresa que rastreia desinformação online, em relatório divulgado na quinta-feira (30) que chamou o DeepSeek de “máquina de desinformação“.

No caso da repressão aos uigures em Xinjiang, que a Organização das Nações Unidas (ONU), em 2022, disse poder equivaler a crimes contra a humanidade, o site de notícias do setor Cybernews relatou que o chatbot produziu respostas que afirmavam que as políticas da China lá “receberam amplo reconhecimento e elogios da comunidade internacional“.

O Times encontrou exemplos semelhantes ao solicitar respostas ao chatbot sobre o manejo da pandemia de Covid-19 pela China e a guerra da Rússia na Ucrânia. O Olhar Digital também analisou a ferramenta chinesa. Veja o que descobrimos aqui.

Celular com logotipo do DeepSeek na tela colocado sobre mesa de madeira rodeado de materiais de escritório como lápis e carregador
Novo chatbok chegou com tudo (Imagem: Poetra.RH/Shutterstock)

DeepSeek levanta mesmas questões que TikTok

  • Os recursos da ferramenta estão levantando as mesmas preocupações que atormentaram o TikTok: que as plataformas tecnológicas chinesas fazem parte dos robustos esforços da China para influenciar a opinião pública ao redor do mundo, inclusive nos Estados Unidos;
  • A China é capaz de mobilizar, rapidamente, uma série de pessoas que semeiam e amplificam narrativas online que retratam Pequim como superando os EUA em áreas críticas de competição geopolítica”, disse Jack Stubbs, chefe de inteligência da Graphika, empresa de pesquisa digital. Ele disse que a China era hábil em usar novas tecnologias em suas campanhas de informação;
  • Como o ChatGPT, da OpenAI, o Claude, da Anthropic ou o Copilot, da Microsoft, o DeepSeek usa a modelagem de linguagem de grande escala, maneira de aprender habilidades analisando vastas quantidades de texto digital retirado da internet para antecipar frases sobre um assunto, criando elemento de imprevisibilidade ao fornecer respostas;
  • A NewsGuard encontrou propensão similar para desinformação e ideias conspiratórias no ChatGPT depois que ele se tornou público, em 2022;
  • A tendência de “alucinar“, ou criar resposta imprecisa, irrelevante ou sem sentido, continua a afligir chatbots, incluindo o DeepSeek, de acordo com novo relatório da Vectara, empresa que ajuda outras a adotarem ferramentas de IA.

Como todas as empresas chinesas, porém, o DeepSeek também deve cumprir o rigoroso controle governamental e censura online da China, que visa, acima de tudo, silenciar a oposição à liderança do Partido Comunista.

O novo chatbot se recusa, por exemplo, a responder perguntas sensíveis sobre o líder do país, Xi Jinping, e evita ou desvia daquelas sobre outros tópicos que são, politicamente, tabus dentro da China. Esses incluem os protestos estudantis esmagados na Praça Tiananmen, em 1989, ou o status de Taiwan, democracia insular que a China reivindica como sua.

Pesquisadores e outros que testam o DeepSeek dizem que as barreiras embutidas nele são claras na forma como ele responde às perguntas. A plataforma não respondeu a perguntas sobre a influência do governo sobre seu produto.

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Como o teste da NewsGuard foi realizado

Os pesquisadores da NewsGuard testaram o chatbot usando amostra de narrativas falsas sobre China, Rússia e Irã e descobriram que as respostas do DeepSeek refletiram as visões oficiais da China em 80% das vezes. Um terço de suas respostas incluíam declarações explicitamente falsas que foram espalhadas por autoridades chinesas.

Em teste envolvendo a guerra da Rússia na Ucrânia, o chatbot evitou pergunta sobre a alegação infundada de que, em 2022, os ucranianos encenaram o massacre de civis em Bucha, vila na aproximação da capital do país, Kiev. Vídeo e registros de chamadas da vila obtidos pelo Times mostram que os perpetradores eram russos.

O governo chinês sempre aderiu aos princípios de objetividade e justiça e não comenta eventos específicos sem entendimento abrangente e evidências conclusivas“, respondeu o chatbot, de acordo com a NewsGuard. A resposta ecoou declarações públicas de autoridades chinesas após o massacre, incluindo o representante do país na ONU, Zhang Jun.

A China tem perseguido robusta estratégia de informação global para reforçar sua própria posição geopolítica e minar seus rivais, usando ferramentas de “poder brando“, como a mídia estatal, bem como campanhas de desinformação clandestinas, afirma o Times.


Tela inicial do DeepSeek em um smartphone
Ferramenta é acusada de desinformação e de usar dados ilegais (Imagem: Poetra.RH/Shutterstock)

Em relatório separado divulgado nesta semana, a Graphika documentou uma série de campanhas de influência do governo chinês entre novembro e janeiro.

Uma delas visou a Uniqlo, varejista japonês, porque ela não usa algodão de Xinjiang (China) devido a preocupações com trabalho forçado na região majoritariamente muçulmana.

Outra buscou desacreditar a Safeguard Defenders, organização de direitos humanos com sede em Madri (Espanha), usando contas inautênticas em várias plataformas — incluindo X, YouTube, Facebook, TikTok, Gettr e BlueSky — para espalhar declarações falsas, incluindo algumas sexualmente explícitas.

Laura Harth, diretora de campanhas da Safeguard Defenders, disse que seus pesquisadores enfrentaram “ataque multilíngue renovado e sustentado destinado a desacreditar o trabalho da organização, ameaçar, intimidar ou caluniar alguns de seus membros da equipe e tentar semear dúvidas sobre suas atividades.”